[NOTA DO AUTOR: Olá, Pessoal. Para celebrar o dia da Independência do nosso país, resolvi presenteá-los com o primeiro capítulo inédito do meu livro. É um grande prazer compartilhar com vocês esse sonho. Espero que gostem desse pedacinho da história. Ficarei grato se compartilharem com os amigos, estarão me ajudando a realizar um sonho. Muito obrigado. ]
É noite
de lua cheia, e estou escondida nas sombras de dois grandes prédios próxima ao
calçadão de Copacabana. Na praia um grande luau está chegando ao fim, jovens
dançaram a noite toda e encheram a cara de bebidas alcoólicas. Para eles foi mais uma noite de diversão,
para mim um banquete. Para aplacar minha sede de sangue, decorrência da minha
maldição de sirena, preciso fazer certos sacrifícios. Tenho que ser rápida, me
misturar entre os jovens, escolher as vítimas e leva-las para uma festinha
particular.
Atravesso
a rua e caminho em direção à praia. O mar me recebe com sua música
hipnotizante. Uma sinfonia para a carnificina que irá acontecer. Jogo meu
cabelo louro para trás e deixo cair como um grande véu pelas costas, solto o
roupão de seda e exibo meu biquíni azul marinho, o contraste do azul contra
minha pele branca favorece minhas curvas. Sei disso, porque recebo olhares por
onde passo. Uma criatura angelical extremamente bela e faminta por luxuria.
Avisto
um pequeno grupo de rapazes em um canto bem isolado. Vejo pequenas luzes
passando por suas mãos, fios de fumaça sobrem pelo ar. Será fácil demais, o
cheiro de essência de narguilé me cerca. Paro atrás do grupo, um rapaz usando
apenas uma sunga preta, me encara e abre um sorriso enorme.
- Temos
companhia, galera. – Ele avisa os demais. Os rapazes olham para trás e me olham
com espanto. Os cigarros e latas de cerveja caem das suas mãos e eles se
levantam rapidamente.
- Olá
gatinha, o que uma loura gostosa como você faz perdida por aqui? Deixe me
adivinhar veio procurar o papai aqui. – Ri batendo no peitoral.
O grupo
me cerca, eles soltam risadas socando de leve os ombros dos parceiros. Um
garoto assovia e me faz girar. Bobos, acham que sou indefesa ou ingênua, mas
eles que são. Às vezes sinto dó, mas para eu sobreviver, outros têm que morrer.
-
Crianças, querem se divertir mais um pouco? – Minha voz sai sedosa e vejo o
efeito que ela causa sobre eles, às pupilas de seus olhos dilatam ainda mais.
Meu controle mental é muito poderoso, não há como escapar de uma sirena.
Caminho
em direção ao mar, às ondas estão tranquilas, perfeitas para nadar. Eu os chamo
e os rapazes se apressam para chegar perto. Ainda estão conscientes, eles me
elogiam e me cercam novamente, pulando como crianças animadas para um passeio
ao shopping.
-
Querem nadar? Há uma pequena ilhazinha próxima daqui, podemos nos divertir lá.
Quem chegar primeiro vai ganhar uma surpresa.
Eles
se animam, correm pulando as ondas e mergulham no mar. Vou atrás deles, não me
transformo ainda, pois consigo me controlar, foram décadas de treino pesado
para dominar a transformação. Há um mito que os humanos inventaram sobre as
sirenas, dizem que qualquer líquido nos transforma quando estamos na forma
humana, mas isso é mentira. Somente a água do mar pode fazer isso. Se fosse
verdade, eu jamais moraria perto dos humanos.
O
mar me recebe com ternura, as ondas limpam minha pele, lavam meu corpo e me dão
forças para me alimentar. Não demora muito e já chegamos à pequena ilha, os
garotos estão sentados na areia, ofegantes. Quando emerjo da superfície eles se
levantam e começam a gritar e brigar dizendo quem chegou primeiro. Passo por
eles e paro entre as árvores. Preciso de toda a atenção deles e para isso, tiro
meu biquíni. A gritaria para e alguns soltam palavrões quando me olham. O rapaz
de sunga preta avança e me pega em seus braços. O corpo dele está gelado e
salgado, do jeito que gosto.
-
Como se chama docinho? – Pergunto a ele.
-
Me chamo Mateus, você é tão linda. – Seus lábios traçam um caminho por meu
pescoço. Os outros se agitam e começam a gritar incentivam o rapaz.
-
Eu sei, sabe por que o trouxe aqui, Mateus? – Eu o empurro levemente com as
mãos para que ele possa me olhar.
-
Para nos divertir um pouco? – Ele sorri travesso. Assinto com cabeça e solto um
risinho.
Deslizo
meus dedos por seu abdômen parando no elástico da sua sunga. Ele se apressa em
tira-la e me puxa para um beijo selvagem. Ele puxa meus cabelos e estica meu
pescoço dando mordidas na minha pele. Chamo os outros rapazes que já tiraram
suas roupas e correm em nossa direção, mãos e bocas me cobrem cada centímetro
do meu corpo. Mateus se ajoelha e desliza a língua pela minha barriga. Um
garoto louro morde minhas costas, outro garoto moreno lambe meus dedos. Estes
cinco rapazes estão sentindo o efeito de tocar uma sirena. Meu poder desperta
um lado sombrio em suas mentes e eles são tomados pela luxuria, pelo prazer,
pela euforia de me querer.
A
lua está em seu ápice e me deixo ser levada pela maldição. Minha pele muda,
penas pretas se espalham por todo meu corpo, os garotos se afastam xingando.
-
Mas que porra é essa? – Mateus grita caindo de costas na areia.
-
Ora, não disse que iriamos nos divertir? – Minha voz sai rouca, alterada pela
transformação.
Minhas asas se abrem nas costas, derrubando os
outros meninos que estavam ao meu lado. Minhas mãos crescem se modificando em
garras. Meus olhos mudam de cor, de azuis vão para um preto sombrio, como olhos
de pássaros.
Mateus
se vira e tenta correr, mas acaba escorregando na areia. Os outros entram na
pequena vegetação da ilha e gritam por socorro. Bem, esse é um dos lados da
maldição. Metade mulher e metade pássaro. A outra parte, logo vai descobrir.
-
Beije-me.
Mateus
tenta manter se no chão resistindo ao meu chamado. Sorrio para ele com a boca
cheia de dentes afiados.
Beije-me, Mateus.
Por
fim, acaba cedendo, ele vem ao meu alcance e me puxa para um beijo. Mordo
levemente seus lábios, sangue escorre por nossas bocas, começo a cantar
suavemente. Seu corpo vai relaxando, como se estivesse sendo embalado por uma
cantiga de ninar. Atravesso minha mão por seu peito, continuo a beija-lo e
arranco seu coração. Mateus tomba aos meus pés. Devoro o pedaço de músculo, o
sangue se espalha por entre as minhas penas. Sorrindo alço voo e persigo os
outros garotos.
...
Sinto-me
exausta. Meus músculos queimam, estou toda molhada de suor e sangue, a areia
gruda em meu corpo. Solto gemidos de dor tentando me mexer, levo as mãos ao
rosto com dificuldade para proteger meus olhos dos raios de sol. Ouço o marulho
do oceano e gotículas de água me atingem quando as ondas se quebram sobre a
praia. Levanto-me devagar, e estico o corpo. Penas, sangue e o que restou dos
corpos estão espalhados pela praia. Tenho que cobrir esses rastros, não posso
deixar nenhuma evidência.
Estico o braço para o mar e o convido para
avançar. As ondas crescem e invadem a praia, em minutos a ilha é engolida pelas
águas e me deixo ser banhada pela ferocidade do oceano. Mergulho no abraço
marinho, minha pele volta ao normal e deixo minha cauda assumir o lugar das
minhas pernas. Pequenas membranas se abrem entre meus dedos, respiro fundo e
deixo minhas guelras se abrirem. Nado para o fundo, me afastando do naufrágio
da pequena ilha e me deito no leito do oceano.
Chamo-me
Thelxiepia, a mais velha das sirenas originais. E acabo de mostrar os dois
lados da mesma moeda.
...
Escolho
um local da praia que esteja vazio e me rastejo para fora do mar. Minhas pernas
voltam por vontade própria, não há mais aquela sensação estranha da mudança. Já
estou acostumada, foram vários séculos passando por isso. Há anos que perdi
minha humanidade, ou melhor dizendo minha compaixão. Aquele sentimento de dó
quando mato alguém para me alimentar. Ou me alimento ou morro. Aliás, já tentei
me matar, sempre volto. É um eterno, agoniante e entediante ciclo. Então deve
estar se perguntando: porque eu me alimento? Bem, não posso controlar, é parte
da maldição lançada pela vadia da Deméter.
Por
sorte, encontro roupas jogadas na praia. Não seria legal, andar nua pelas ruas
de Copacabana. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, não voltamos
com a mesma roupa depois da transformação. Isso é uma mentira. As pessoas fantasiaram
esse fato para não corromper a inocência das crianças que acreditam em sereias.
Na verdade, nos fantasiaram para não causar terror nas pobres mentes infantis.
Imagina contar para seu filho ou filha que sereias devoram os corações dos
marinheiros.
Visto
uma camiseta fedida e suja de areia e uma bermuda manchada de cerveja, e vou
para casa, são duas quadras da avenida principal. A manhã já começou animada,
pessoas estão caminhando pela orla com seus cachorros, outros estão se banhando
e vendedores ambulantes caminhando pela areia carregando sacolas com seus
produtos. Me pergunto se as pessoas sabem da existência de seres místicos e até
dos deuses e que eles possam estar entre eles. Você pode ir a uma lanchonete e
ser atendido por um filho de Poseidon ou filha de Atena, seu amigo pode ser
filho de Zeus, ou até seu pai ou sua mãe serem filhos de deuses. Fora as
criaturas místicas que podem assumir a forma humana, quem sabe você não é filho
de um ciclope ou de uma fada. Não se anime achando que pode ser filho de uma
sereia, infelizmente nós não engravidamos.
Entro
pelo hall do prédio onde moro, atravesso o salão o mais rápido possível e
escolho subir pelas escadas até a cobertura onde meu apartamento fica. Por
sorte não esbarro em nenhum vizinho. Estou desesperada para trocar de roupa, o
odor de cerveja está me irritando. Procuro por minhas chaves no vaso de planta,
sempre deixo embaixo da estátua de sapo. Ouço ruídos vindo de dentro do
apartamento e abro a porta com força. Uma mulher com cabelos dourados como
campos de trigo, a pele bronzeada naturalmente e os olhos escuros se levanta
bruscamente do meu sofá. Eu a conheço e não posso acreditar que essa desgraçada
está aqui.
- Sua
vadia imunda, como ousa entrar em minha casa? – Avanço com ferocidade, atropelando
moveis que estão pelo caminho. Ela não se mexe, minhas mãos fecham em volta de
seu pescoço e a empurro com força na parede.
- É bom
vê-la também, Thelxiepia. Sentiu saudades? – Deméter sorri. O que me deixa
ainda mais furiosa.
- Eu
vou te matar! – Preparo um ataque quando ouço uma voz vinda da porta do
banheiro.
-
Solte-a, Thel. – Minha irmã está parada de braços cruzados com um olhar
zangado. O cabelo está molhado e seu corpo envolto por uma toalha.
- Sisi?
O que está acontecendo? – Me viro para encara-la.
Deméter
passa as mãos pelo pescoço e se afasta parando ao lado de Sisi. Alguém grita do
quarto no segundo andar e desce as escadas rapidamente. Aglaope, minha outra irmã. Ela para no pé da escada.
- Que
bagunça é essa?
- Eu
que pergunto a vocês, o que estão fazendo aqui? O que ela está fazendo aqui?
Pensei que estivesse claro quando eu disse que não veria você novamente,
Deméter. Se não deixei claro, vou deixar agora. Faz tempo que não soco um deus.
- Sem
brigas, está bem? – Agge se coloca como escudo na frente de Deméter. – Deixa-a
explicar o que está acontecendo.
- Ok.
Mas espero que seja algo importante, porque juro que quero esfregar sua cara no
asfalto da rua.
-
Certo, mas primeiro vou trocar de roupa. – Sisi sobre correndo as escadas. Agge
indica os sofás e nos sentamos. Há um clima tenso, não sei o que Deméter está
aprontando, mas já sei que coisa boa não vai ser.